Não consigo pensar minha vida sem aprendizado. Meus filhos tiram sarro de mim. Dizem que a cada cinco palavras que falo, quatro são aprendizado ou aprendizagem.
Eles exageram, mas é fato que não consigo me lembrar de um momento na vida em que o aprender não estivesse em um lugar de destaque.
Nas duas primeiras décadas, como a maioria das pessoas, passei a maior parte do tempo acordado na escola ou em atividades relacionadas a ela. O pouco tempo livre era dividido entre brincar e aprender mais um pouco nas aulas de música, esporte ou idiomas.
Ainda antes de terminar o colegial comecei a dar aulas particulares de matemática, química e física.
No primeiro ano da faculdade, comecei a realizar alguns seminários com mais dois colegas que se tornaram sócios na empresa que fundamos assim que nos formamos, a LAB SSJ.
A empresa evoluiu, se fundiu e cresceu. Até 2018, ano em que vendi minha participação na Afferolab, tive o privilégio de ter acompanhado centenas de milhares de aprendizes adultos se desenvolverem de todas as formas e meios possíveis.
Quanto mais experiência eu adquiria, mais aumentava minha inquietação. Foi ficando claro que as iniciativas de aprendizagem que eu ajudava a organizar dentro de grandes empresas tinham impacto, mas não o suficiente. Esse incômodo sempre foi – e ainda é – a grande alavanca da minha própria busca de aprendizado contínuo.
Em tempo algum parei de buscar mais conhecimento sobre esse assunto. Quando me encontrei com a andragogia – a arte e a ciência de ajudar adultos a aprenderem – fiz questão de traduzir para português o principal livro sobre o tema. Contudo, foi nos anos 2010 que comecei a ver alternativas para o meu desconforto.
Em 2012 concluí o doutorado em Psicologia da Aprendizagem na Universidade de São Paulo (USP), apresentando uma tese sobre autodireção do aprendizado em ambientes informais. Só depois me dei conta de que o tema de minha pesquisa era exatamente o contrário de tudo que eu havia feito na vida até então: aprender sem professores ou facilitadores e sem sala de aula.
Por sorte ou sincronicidade, terminei a pesquisa no momento de mundo em que, finalmente, o aprendizado ao longo da vida – um desenho idealizado em 1970 – começou a ter condições para se tornar realidade com mudanças aceleradas, com a existência de uma rede de pessoas e conhecimentos cada vez maior e mais conectada.
As pesquisas acadêmicas se misturaram com as décadas de experiência. Como resultado, passei a ser ativista de um modelo que reconhece a importância da autonomia como base para o desenvolvimento de aprendizes ao longo da vida, ou lifelong learners.
O caminho, na minha visão, é criar condições para que adultos se percebam capazes de aprender de maneira autodirigida. Afinal, depois de muitos anos nos acostumando a um modelo educacional que restringe a liberdade e a curiosidade de alunos e alunas, somos jogados em um mercado de trabalho que copia o formato com treinamentos obrigatórios, cursos e universidades corporativas.
Compreendi que, para promover as mudanças na qual acredito tão profundamente, eu precisava impactar empresas e pessoas.
Comecei pelas organizações. No início de 2020 cofundei a nōvi, uma consultoria de treinamento que não faz treinamentos, mas ajuda empresas a repensarem sua cultura de aprendizagem.
Este livro é minha forma de convidar as pessoas para esse movimento. Não foi fácil escrever durante a pandemia de covid-19. Achar tempo e cabeça para colocar ideias organizadas e interessantes no papel pareceu, por muitas vezes, uma tarefa grande demais.
Ao mesmo tempo, acho que talvez este seja o melhor momento. O novo mundo que vem se estruturando aos nossos olhos tem tirado qualquer dúvida sobre a necessidade de aprendermos a vida toda.
Procurei colocar histórias, fatos, pesquisas e métodos para que o livro seja gostoso de ler e para que nenhum leitor saia com dúvida de que também é um lifelong learner.
Este livro está organizado em duas partes:
A Parte I é dedicada ao mundo de hoje. Apresento aqui por que “aprender ao longo da vida” é um tema importante para você, sua empresa e a sociedade como um todo. Qual é a diferença desse conceito para o formato educacional que conhecemos?
A aprendizagem ao longo da vida – também conhecida pelo termo em inglês, lifelong learning –, é um tema que vem sendo discutido há, pelo menos, quarenta anos. Grandes nomes, como Bill Gates, se valem dela para permanecer em constante desenvolvimento.
No entanto, nos últimos anos, sua relevância e prática ganharam uma nova dimensão. Por quê? Um dos motivos é o contexto da Quarta Revolução Industrial. Certamente, há um desafio relacionado ao futuro do trabalho, impactando diretamente o mundo corporativo.
Mas suas implicações vão além da questão do trabalho e passam pela nossa vivência como indivíduos. Precisaremos repensar o aprendizado para interagir melhor com um mundo em constante mudança social e cultural, inclusive pensando nas tendências de longevidade e de novas descobertas e possibilidades neurológicas e comportamentais.
Estes são, em grandes linhas, os temas dos primeiros três capítulos deste livro, uma ampla contextualização da aprendizagem ao longo da vida. A primeira parte do livro se encerra com um convite para uma mudança no olhar sobre a aprendizagem, refletindo sobre o que não é aprendizagem (Capítulo 4) e seguindo para uma nova visão e definição sobre o que ela é (Capítulo 5).
A Parte II é bastante prática. Dentro do contexto que se apresenta, proponho caminhos para a ação. Existem percursos para conduzirmos nossa própria jornada de aprendizagem, e o primeiro passo para isso é mudar nossa autoimagem de aprendiz.
Nós, adultos, somos diferentes de crianças e, portanto, não podemos utilizar a mesma lógica educacional para aprender, sendo a autonomia uma característica fundamental para a nossa motivação. Por isso, a autodireção tem um papel fundamental para o sucesso de nossos projetos de aprendizagem. Nesse cenário, o ambiente informal ainda é subvalorizado, mas pode e deve ser incorporado em nossos caminhos e escolhas.
Os Capítulos 6 a 9 são dedicados a contextualizar e apoiar sua jornada de aprendizagem, levando em conta estas três características: você é um aprendiz adulto, autodirigido e apto a aprender em todo lugar.
Ao longo de tantos anos de dedicação à aprendizagem de adultos, estruturei um método que uso pessoalmente e que já foi aprovado por milhares de pessoas. Não é preciso ser um Bill Gates para ser um aprendiz ao longo da vida. O que precisamos é de uma boa estratégia e boas práticas.
Definir o que queremos desenvolver é o primeiro passo (Capítulo 10). A partir dessa escolha, muitos de nós partiríamos para um processo de aprendizagem baseado exclusivamente na aquisição de conteúdo por livro, vídeo ou áudios.
Essas fontes realmente são muito importantes e temos diversas dicas sobre elas no Capítulo 11. Contudo, existem outras que são essenciais para um aprendizado mais prático e efetivo: as experiências (Capítulo 12), e as pessoas e redes (Capítulo 13). Uso uma sigla para me referir a estas fontes: CEP+R.
Depois, precisamos cuidar do nosso processo e estar atentos para não cair no piloto automático, seguindo os mesmos caminhos de sempre. Para isso, há duas etapas importantes, às quais dedico o Capítulo 14: o planejamento da aprendizagem e a busca de evidências.
Acima de tudo, espero que você se divirta lendo este livro. Retomar o prazer em aprender pode ser um primeiro e importante passo para o aprendizado ao longo da vida.